Um momento de clareza

Matheus
4 min readOct 18, 2020

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Eu e minha mãe adoramos assistir filmes. Meu pai só nos acompanha quando a trama é realmente envolvente, mas pra mim e pra ela isso não importa tanto assim. Assistimos dramas, romances, suspenses, animações, ficções científicas. Especialmente os de ação e os policiais, que são os favoritos dela. Só não vale terror, que ela não gosta. E tampouco importa se é um filme premiado ou se é daquele tipo de filme que quando você lê a sinopse ou vê o cartaz o seu subconsciente diz “você vai perder seu tempo vendo isso”. A gente só assiste.

Acho que o que nos move, no fundo, é o momento de estarmos juntos. Fazemos pipoca ou comemos algo diferente pra ocasião. Pouco importa o que está passando na tela do cinema ou na televisão, mas sim o fato de estarmos partilhando do mesmo momento. De rir junto, de ficar frenético por algum personagem ou coisa do tipo. Os sentimentos envolvidos são maiores do que a qualidade do filme em si e é isso que realmente importa.

Com tantos anos vendo filme com minha mãe, a gente já viu muitos filmes várias e várias vezes. Normalmente são filmes especiais, aqueles que nos tocam por alguma razão ou que marcam algum momento único de nossas vidas. Um dos que se encaixam nessa categoria para a minha mãe é Dois Filhos de Francisco. Aquele filme nacional, que narra a história de vida daquela dupla sertaneja lá. Eu me lembro de ter visto esse filme pela primeira vez na TV aberta há uns doze anos atrás, no mínimo. Não é particularmente a história que mais me agrada nem o melhor filme nacional já feito, mas acabou que vi esse filme tantas vezes que é capaz que devo saber todas as falas de cor se eu fizer um esforço.

Já pra minha mãe esse filme tem um significado especial. Ela se emociona a ponto de chorar toda vez que assiste. E tenho um palpite do porquê. Se você não se interessa pela música sertaneja ou pela história de Zezé di Camargo e Luciano em específico, vou te contar uma linha geral da história (não se preocupe que não tem spoiler nas próximas linhas): o pai da dupla sempre quis ver eles como cantores e acreditava muito no sucesso deles desde pequenos, o que fez com que um monte de sacrifícios tenham sido feitos e muitos obstáculos superados até chegarem à fama. No fundo, mostra uma linda relação de amor e confiança entre pai e filhos.

Embora eu nunca tenha conversado isso com minha mãe, eu posso supor que isso se deve muito ao meu avô. Pioneiro de Brasília, ele sempre foi o tipo de pai extremamente carinhoso e presente na vida das filhas. Acho que qualquer pessoa que tem uma relação significativa com seu pai acaba que se associa fácil com o enredo do filme. Um pai presente, que se sacrifica e se doa constantemente em ver os filhos crescerem e se tornarem as melhores versões possíveis que podem ser? Não é a mais incomum das histórias nem das demonstrações de amor. Você já deve ter ouvido ou vivido algo do tipo.

Suponho que minha mãe viveu essa história. Ela chora copiosamente toda vez que assiste. A última vez tem alguns meses e eu estava acompanhando-a. E eu tenho uma coisa engraçada que eu gosto de ficar observando as pessoas quando estão fazendo as mais variadas coisas. Acho muito curioso como que as pessoas se comportam de forma muito única fazendo qualquer ação, da mais banal à mais complexa. Cada um tem um universo de particularidades e detalhes que não se repetem em ninguém mais. Minha mãe, por exemplo, chora baixinho e não enxuga as lágrimas. Ela só deixa sentir.

Eu, observando atentamente o que estava rolando, nem peguei um copo de água ou um lenço. Normalmente é o que faço de imediato quando vejo alguém chorar. Só fiquei assistindo-a. Desisti do filme. Até que o olhar dela veio no meu. E veio o ímpeto só de fazer uma única pergunta:

“Saudade dele, né mãe?”

Ela fez uma cara de espanto como se alguma manifestação paranormal da minha parte fizesse com que eu tivesse lido a sua mente. E foi aí que ela chorou mesmo. Segurou minha mão e deixou as lágrimas cairem. Fungava, fazia caretas olhando o filme. Eu segurei a mão de volta e a abracei. Vimos o restante do filme assim, ela calada e fazendo carinho no meu cabelo.

Se você tiver que perguntar, nunca vai saber, já dizia Louis Armstrong. Eu já sabia a resposta da pergunta que fiz à minha mãe. Ainda assim eu a fiz porque imaginava que era o que a impedia de se liberar de vez e entregar-se para o sentimento. Foi uma das melhores sessões de cinema que tive com ela. Vi a alma da minha mãe exposta na saudade que faz quentinho no coração do meu avô. Senti-a humana como nunca naquele momento e coleciono essa memória como um item raro da minha coleção.

Mal espero pelo próximo filme.

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Matheus

Desde 1995 falando coisas que só fazem sentido na minha cabeça. Quando tem palavras demais dentro dela, reorganizo elas na minha prosa. Às vezes dá certo.