O poder do perdão

Matheus
5 min readJul 20, 2020

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Ah, Recife. Adoro essa cidade. O mais curioso da minha relação com ela é que eu devo ter passado algo em torno de uma hora lá, e ainda assim ela me deixou uma marca muito positiva. Há alguns muitos anos, eu e meus pais fomos para Porto de Galinhas, não muito longe da capital pernambucana. Como eu e minha mãe não conhecíamos Recife até então, mas precisávamos partir para o município vizinho pra começar nossa reserva, a gente deu uma volta de taxi pela orla da praia e em alguns lugares de interesse bem rápida antes de seguir viagem. Aqueles poucos minutos me mostraram uma cidade com uma energia muito característica. Gente bonita, as placas avisando dos tubarões, o sotaque gostoso. Tudo estava lá e ainda deve estar. Tá no meu Top 3 na lista de “lugares em que eu estive e preciso voltar para aproveitar direito quando a pandemia não ameaçar mais a minha existência”.

É em Recife que mora uma pessoa que eu conheci na terra do passarinho azul. Vulgo Twitter. Isso foi no finalzinho de 2018. Tal como um estouro, trocamos contatos e viviamos agarradinhos online, nos aproximamos muito rápido em um curto espaço de tempo. Ela era linda, doce, gentil, partilhava de muitos dos meus gostos e muito engraçada. A mulher que me fez até deslumbrar um possível relacionamento a distância, cheguei a considerar isso. Bastaram alguns poucos meses para eu estar vidrado nela. No entanto, em determinado momento, quando o assunto relacionamento surgiu e uma direção em que dava a entender que ela estava inclinada a querer algo mais sério comigo, eu acovardei. Fiquei calado, me dei uma de desentendido, uma pequena briga e a gente se afastou da vida um do outro. Fiquei triste, mas umas semanas depois eu tava de boa e ela tinha saído da minha memória recente.

Não foi a primeira vez que eu cometi o que considero um episódio de ghosting: terminar o que poderia a vir um relacionamento simplesmente fugindo, ficando calado e me envolvendo no meu casulo de conforto ao invés de conversar direito com as pessoas. Isso acontece porque, primeiro, eu não entendia direito o que eu sentia. Se era só carência, ou um sentimento real e verdadeiro de paixão ou amor. E segundo que, por mais que eu conversasse sobre qualquer coisa, eu tinha a capacidade de diálogo do vidro de álcool em gel que está na minha escrivaninha no que se refere a explicar as minhas vontades, sentimentos, medos e frustrações no que se referia a amor, a se relacionar e a se entregar. O que é mais estranho, pensando agora, é como em várias vezes em que eu poderia estar a um passo de construir um relacionamento amoroso com alguém que sentia algo por mim, eu pulava fora. Queria amar, mas nem tanto assim. Dava um medo danado.

Anos se passaram, muitas pessoas entraram e saíram da minha vida, muita coisa aconteceu, a terapia veio e segue presente. Parece redundante, ainda mais se comparar com os textos anteriores que tenho soltado aqui, mas a terapia realmente veio como um farol na névoa do mar: agora vejo tudo mais claro, entendo como via tudo errado e como faz tempo que está tudo certo. Uma das coisas mais legais da vida com o acompanhamento como agora eu consigo identificar fácil padrões do meu próprio comportamento. É como saber se algo que estou fazendo é bom e devo continuar ou se algo que já fiz ou continuo fazendo deve ser extinguido de mim. Como se eu fosse míope a vida toda e só agora eu conseguisse encontrar um óculos com o grau certo pra ver as coisas com definição.

Dito isso, na semana passada aconteceu uma coisa muito legal e na qual, olhando agora, me faz sentir orgulhoso e leve. Sabem a recifense do início do texto? A gente ainda se segue no Twitter e vez ou outra interagimos com algum meme engraçadinho. Não sei o que me surgiu. Chamei ela pelas mensagens privadas e eu pedi desculpas pelo que fiz. Por não ter sido sincero em minhas intenções, por não saber o que eu sentia, por não saber explicar a ela meu medo de relacionamentos a distância, por ter sido um covarde e ter fugido enquanto uma conversa poderia esclarecer tudo muito bem. Fui bem direto e rápido. Em seguida a gente teve uma conversa rápida mas muito positiva, na qual ela me disse coisas muito positivas e felizes sobre mim. Ela aceitou minhas desculpas e não guardava mágoas sobre o que tinha acontecido. Ela continua no cantinho dela, eu no meu. Melhor assim.

Um dos fenômenos mais comuns da vida em quarentena tem sido o ato de pedir desculpas. Em todo lugar você vê gente morrendo, do colega do trabalho até um familiar ou um amigo, vítimas do COVID-19. As notícias te mostram cenários pouco positivos, só se comenta isso nas redes sociais, e a nossa vida parece que está transformada para sempre. O senso de urgência impera, tem se tornado urgente existir, viver e sentir. Tenho notado isso em todos os lugares, virtuais e não virtuais, e eu me sinto feliz em fazer parte desse movimento. Em abril, como escrevi em um texto anterior, minha ex me mandou uma mensagem me pedindo desculpas por algumas circunstâncias envolvendo o nosso término. Agora, eu quem pedi desculpas a alguém com quem errei no passado.

Apesar da vida ser tão previsível quanto um bilhete de loteria e eu não fazer ideia do que o dia de amanhã me reserva, eu gosto de pensar que, quando eu partir para um outro plano, eu esteja com minhas dívidas emocionais pagas. Eu entendo que, enquanto uma pessoa insegura e irresponsável com alguns de meus sentimentos, machuquei, irritei e decepcionei pessoas que me eram queridas. E reconheço isso. Agora, em que estou em um outro momento da minha vida, em um nível de consciência e responsabilidade emocional muito maior, vou pedir desculpas aos poucos para as pessoas com quem errei para que os ciclos se fechem e esses fatos fiquem aonde precisam ficar: na memória.

Reconhecer o erro e pedir desculpa, quando acompanhada de real transformação nas ações e pensamentos dos envolvidos, é uma das experiências mais transformadoras que conheço. Eu me torno uma pessoa melhor quando o faço. E me sinto orgulhoso de estar em posição em que eu consigo olhar para o meu passado e identificar os meus comportamentos nocivos. Em ter clareza de pensamentos, de ter a ansiedade sob controle e saber em ser responsável com as minhas emoções. Então, a partir daí, posso pedir desculpas sinceras. Não me importa muito se já se passou muitos anos desde algum incidente. O que vale é entender o que fiz e saber que hoje eu não volto a cometê-los.

O ato de pedir desculpas vai ser comum a partir de agora. Pelo menos de minha parte. Espero que seja uma prática em que as pessoas ao redor do mundo retomem em algum momento como uma prática corriqueira e saudável. Por issso, finalizando o fio condutor desse texto, te convido a você pedir desculpas a alguém por algo que você tenha feito. Não deixe que o tempo seja o único agente a cicatrizar uma ferida. Cure as outras pessoas e, em troca, se cure também. É mágico, renovador e inspirador. Recomendo muito.

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Matheus

Desde 1995 falando coisas que só fazem sentido na minha cabeça. Quando tem palavras demais dentro dela, reorganizo elas na minha prosa. Às vezes dá certo.